quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Provérbios do Inferno - William Blake

De O matrimônio do Céu e do Inferno:

Portas do Inferno de Dante - ilustração de William Blake
No tempo de semeadura, aprende; na colheita, ensina; no inverno, desfruta.

Conduz teu carro e teu arado sobre a ossada dos mortos.

O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria.

A Prudência é uma rica, feia e velha donzela cortejada pela Impotência.

Aquele que deseja e não age engendra a peste.

O verme perdoa o arado que o corta.

Imerge no rio aquele que a água ama.

O tolo não vê a mesma árvore que o sábio vê.

Aquele cuja face não fulgura jamais será uma estrela.

A Eternidade anda enamorada dos frutos do tempo.

À laboriosa abelha não sobra tempo para tristezas.

As horas de insensatez, mede-as o relógio; as de sabedoria, porém, não há relógio que as meça.

Todo alimento sadio se colhe sem rede e sem laço.

Toma número, peso & medida em ano de míngua.

Ave alguma se eleva a grande altura, se se eleva com suas próprias alas.

Um cadáver não revida agravos.

O ato mais alto é até outro elevar-te.

Se persistisse em sua tolice, o tolo sábio se tornaria.

A tolice é o manto da malandrice.

O manto do orgulho, a vergonha.

Prisões se constroem com pedras da Lei; Bordéis, com tijolos da Religião.

A vanglória do pavão é a glória de Deus.

O cabritismo do bode é a bondade de Deus.

A fúria do leão é a sabedoria de Deus.

A nudez da mulher é a obra de Deus.

Excesso de pranto ri. Excesso de riso chora.

O rugir de leões, o uivar de lobos, o furor do mar em procela e a espada destruidora são fragmentos de eternidade, demasiado grandes para o olho humano.

A raposa culpa o ardil, não a si mesma.

Júbilo fecunda. Tristeza engendra.

Vista o homem a pele do leão, a mulher, o velo da ovelha.

O pássaro um ninho, a aranha uma teia, o homem amizade.

O tolo, egoísta e risonho, & o tolo, sisudo e tristonho, serão ambos julgados sábios, para que sejam exemplo.

O que agora se prova outrora foi imaginário.

O rato, o camundongo, a raposa e o coelho espreitam as raízes; o leão, o tigre, o cavalo e o elefante espreitam os frutos.

A cisterna contém: a fonte transborda.

Uma só idéia impregna a imensidão.

Dize sempre o que pensas e o vil te evitará.

Tudo em que se pode crer é imagem da verdade.

Jamais uma águia perdeu tanto tempo como quando se dispôs a aprender com a gralha.

A raposa provê a si mesma, mas Deus provê ao leão.

De manhã, pensa, Ao meio-dia, age. Ao entardecer, come. De noite, dorme.

Quem consentiu que dele te aproveitasses, este te conhece.

Assim como o arado segue as palavras, Deus recompensa as preces.

Os tigres da ira são mais sábios que os cavalos da instrução.

Da água estagnada espera veneno.

Jamais saberás o que é suficiente, se não souberes o que é mais que suficiente.

Ouve a crítica do tolo! É um direito régio!

Os olhos de fogo, as narinas de ar, a boca de água, a barba de terra.

O  fraco em coragem é forte em astúcia.

A macieira jamais pergunta à faia como crescer; nem o leão ao cavalo como apanhar sua presa.

Quem reconhecido recebe, abundante colheita obtém.

Se outros não fossem tolos, seríamos nós.

A alma de doce deleite jamais será maculada.

Quando vês uma Águia, vês uma parcela do Gênio; ergue a cabeça!

Assim como a lagarta escolhe as mais belas folhas para pôr seus ovos, o sacerdote lança sua maldição sobre as alegrias mais belas.

Criar uma pequena flor é labor de séculos.

Maldição tensiona: Benção relaxa.

O melhor vinho é o mais velho, a melhor água, a mais nova.

Orações não aram! Louvores não colhem!

Júbilos não riem! Tristezas não choram!

A cabeça, Sublime; o coração, Paixão; os genitais, Beleza; mãos e pés, Proporção.

Como o ar para o pássaro, ou o mar para o peixe, assim o desprezo para o desprezível.

O corvo queria tudo negro; tudo branco, a coruja.

Exuberância é Beleza.

Se seguisse os conselhos da raposa, o leão seria astuto.

O Progresso constrói caminhos retos; mas caminhos tortuosos sem Progresso são caminhos de Gênio.

Melhor matar um bebê em seu berço que acalentar desejos irrealizáveis.

Onde ausente o homem, estéril a natureza.

A verdade jamais será dita de modo compreensível, sem que nela se creia.

Suficiente! ou Demasiado.

*

Os Poetas antigos animaram todos os objetos sensíveis com Deuses e Gênios, nomeando-os e adornando-os com os atributos de bosques, rios, montanhas, lagos, cidades, nações e tudo quanto seus amplos e numerosos sentidos permitiam perceber.

E estudaram, em particular, o caráter de cada cidade e país, identificando-os segundo sua deidade mental;

Até que se estabeleceu um sistema, do qual alguns se favoreceram, & escravizaram o vulgo com o intento de concretizar ou abstrair as deidades mentais a partir de seus objetos: assim começou o Sacerdócio;

Pela escolha de formas de culto das narrativas poéticas.

E proclamaram, por fim, que os Deuses haviam ordenado tais coisas.

Desse modo, os homens esqueceram que todas as deidades residem no coração humano.


William Blake (1757-1827)
* * *

Origem do texto: Da tradução de José Antônio Arantes. São Paulo, Iluminuras, 1987.

Há uma edição bilíngue recente disponível: William Blake. Poesia e prosa selecionadas. S.P., Nova Alexandria, 1993.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

IMPROVISO EM BEIJING - Allen Ginsberg




IMPROVISO EM BEIJING

Escrevo poesia porque a palavra Inspiração na língua inglesa vem do Spiritus latino, respiração, & eu quero respirar livremente.
Escrevo poesia porque Walt Whitman deu permissão ao mundo para falar com doçura.
Escrevo poesia porque Walt Whitman escancarou a linha do verso para a respiração desobstruída.
Escrevo poesia porque Ezra Pound em sua torre de marfim lançou o provérbio 'aposte na zebra', permitindo aos poetas escrever em idioma vernáculo falado.
Escrevo poesia porque Pound revelou aos olhos dos jovens poetas ocidentais os chineses escrevendo palavras pintadas.
Escrevo poesia porque W. C. Williams vivendo em Rutherford escreveu em dialeto de Nova Jersey 'eu chuto teu olho', perguntando pela métrica do pentâmetro jâmbico.
Escrevo poesia porque meu pai era poeta & minha mãe da Rússia dita comunista morreu numa casa de loucos.
Escrevo poesia porque em 1984 meu amigo Gary Snyder sentou-se em posição de lótus numa mesa de conferências para ver seus pensamentos como parte dos fenômenos do mundo exterior.
Escrevo poesia porque sofro, nascido para morrer, de cálculo renal & pressão alta, todas as pessoas sofrem.
Escrevo poesia porque sofro a confusão de não saber o que as outras pessoas pensam.
Escrevo poesia porque a poesia pode revelar meu pensamento, curar minha paranoia & a paranoia das outras pessoas.
Escrevo poesia porque minha mente perambula exposta a sexo, política & meditação transcendental.
Escrevo poesia para tornar mais acuradas as imagens de minha própria mente.
Escrevo poesia porque recebi os Quatro Votos do Bodhisattva: são inúmeras as criaturas sensíveis a libertar no universo, minha própria ignorância irada ambiciosa a ultrapassar através do infinito, as situações em que me encontro a mim mesmo são incontáveis quando o céu está tão OK quanto as sendas sem fim da mente desperta.
Escrevo poesia porque nesta manhã acordei tremendo de medo daquilo que poderia dizer na China.
Escrevo poesia porque os poetas russos Maiakóvski & Iessiênin cometeram suicídio & alguém mais precisa falar.
Escrevo poesia porque meu pai recitando o poeta inglês Shelley & o poeta americano Vachel Lindsay deu o exemplo – respiração inspirada na grande ventania.
Escrevo poesia porque escrever sobre sexo era proibido nos Estados Unidos da América.
Escrevo poesia porque milionários dos lados leste & oeste andam em limusines Rolls-Royce enquanto os miseráveis não tem dinheiro sequer para manter seus dentes.
Escrevo poesia porque meus genes & cromossomos são apaixonados pelos homens jovens mas não pelas jovens mulheres.
Escrevo poesia porque não tenho nenhuma responsabilidade dogmática um dia após o outro.
Escrevo poesia porque quero ficar sozinho & quero falar às pessoas.
Escrevo poesia para contradizer Whitman, falar com tios & tias ainda vivendo em Nova Iorque & Nova Jersey, falar com jovens daqui a dez anos.
Escrevo poesia porque ouvi negros blues pela rádio em 1939, Leadbely & Ma Rainey.
Escrevo poesia inspirado pelas jovens canções dos Beatles alegremente envelhecendo.
Escrevo poesia porque Chuang-Tzé não sabia dizer se era uma borboleta ou um homem, Lao-Tzé dizia a água corre montanha abaixo, Confúcio dizia honre a seus ancestrais, & eu quis honrar a Withman.
Escrevo poesia porque da Mongólia ao Oeste Selvagem da América a multiplicação desordenada do gado & dos latifúndios destrói a relva nova & a erosão engendra desertos.
Escrevo poesia usando sapatos animais.
Escrevo poesia porque 'a primeira idéia é sempre a melhor idéia'.
Escrevo poesia porque nenhuma idéia é compreensível a não ser que expresse particularidades:
'nenhuma idéia que não esteja dentro das coisas'.
Escrevo poesia porque o Dalai Lama diz que as coisas são símbolos de si mesmas.
Escrevo poesia porque as manchetes dos jornais anunciam que há um buraco negro no centro de
nossa galáxia & somos livres para noticiá-lo.
Escrevo poesia porque a I Guerra Mundial, a II Guerra Mundial, a bomba atômica & a III Guerra Mundial deixarão de existir se assim o quisermos, eu não preciso delas.
Escrevo poesia porque meu primeiro poema Uivo foi perseguido pela polícia por não usar meias palavras ao ser publicado.
Escrevo poesia porque meu segundo poema Kaddish homenageava o paranirvana de minha mãe num hospital psiquiátrico.
Escrevo poesia porque Hitler matou seis milhões de judeus & eu sou judeu.
Escrevo poesia porque Moscou, digo, Stálin, mandou 20 milhões de judeus & intelectuais para a Sibéria, & 15 milhões nunca mais voltaram ao Stray Dog Café de São Petersburgo.
Escrevo poesia porque eu canto quando estou sozinho.
Escrevo poesia porque Walth Whitman disse: 'sou contraditório? Tudo bem, então sou contraditório (sou amplo, abarco multidões)'.
Escrevo poesia porque minha mente é contraditória, neste momento está em Nova Iorque & no momento seguinte nas cordilheiras dos Alpes.
Escrevo poesia porque minha cabeça tem 10.000 pensamentos.
Escrevo poesia sem nenhuma razão sem nenhum porquê.
Escrevo poesia porque é a melhor maneira de dizer tudo que me vem à mente nestes últimos seis minutos ou durante toda uma vida.



21 de outubro de 1984

Allen Ginsberg
Tradução de Rubens Zárate

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

PESSOAL INTRANSFERÍVEL - Torquato Neto





PESSOAL INTRANSFERÍVEL

escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. é o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela. nada no bolso e nas mãos. sabendo: perigoso, divino, maravilhoso. poetar é simples, como dois e dois são quatro sei que a vida vale a pena etc. difícil é não correr com os versos debaixo do braço. difícil é não cortar o cabelo quando a barra pesa. difícil, pra quem não é poeta, é não trair a sua poesia, que, pensando bem, não é nada, se você está sempre pronto a temer tudo; menos o ridículo de declamar versinhos sorridentes. e sair por aí, ainda por cima sorridente mestre de cerimônias, "herdeiro" da poesia dos que levaram a coisa até o fim e continuam levando, graças a Deus. e fique sabendo: quem não se arrisca não pode berrar. citação: leve um homem e um boi ao matadouro. o que berrar mais na hora do perigo é o homem, nem que seja o boi. adeusão.

- Torquato Neto