domingo, 21 de julho de 2013

Canção - Allen Ginsberg




O peso do mundo
é o amor.
Sob o fardo
da solidão,
sob o fardo
da insatisfação


o peso
o peso que carregamos
é o amor.


Quem poderia negá-lo?
Em sonhos
nos toca
o corpo,
em pensamentos
constrói
um milagre,
na imaginação
aflige-se
até tornar-se
humano —


sai para fora do coração
ardendo de pureza —


pois o fardo da vida
é o amor,


mas nós carregamos o peso
cansados
e assim temos que descansar
nos braços do amor
finalmente
temos que descansar nos braços
do amor.


Nenhum descanso
sem amor,
nenhum sono
sem sonhos
de amor —
quer esteja eu louco ou frio,
obcecado por anjos
ou por máquinas,
o último desejo
é o amor
— não pode ser amargo
não pode ser negado
não pode ser contido
quando negado:


o peso é demasiado

— deve dar-se
sem nada de volta
assim como o pensamento
é dado
na solidão
em toda a excelência
do seu excesso.


Os corpos quentes
brilham juntos
na escuridão,
a mão se move
para o centro
da carne,
a pele treme
na felicidade
e a alma sobe
feliz até o olho —


sim, sim,
é isso que
eu queria,
eu sempre quis,
eu sempre quis
voltar
ao corpo
em que nasci.

sexta-feira, 19 de julho de 2013

E então, que quereis?

E então, que quereis?

Maiakóvski

Fiz ranger as folhas de jornal

abrindo-lhes as pálpebras piscantes.

E logo

de cada fronteira distante

subiu um cheiro de pólvora

perseguindo-me até em casa.

Nestes últimos vinte anos

nada de novo há

no rugir das tempestades.

Não estamos alegres,

é certo,

mas também por que razão

haveríamos de ficar tristes?

O mar da história

é agitado.

As ameaças

e as guerras

havemos de atravessá-las,

rompê-las ao meio,

cortando-as

como uma quilha corta

as ondas.
(1927)

Vladímir Maiakóvski nasceu e passou a infância na aldeia de Bagdádi, nos arredores de Kutaíssi (hoje Maiakóvski), na Geórgia - Rússia. Lá cursou o ginásio e, após a morte súbita do pai, a família ficou na miséria e transferiu-se para Moscou, onde Vladímir continuou seus estudos. Fortemente impressionado pelo movimento revolucionário russo e impregnado desde cedo de obras socialistas, ingressou aos quinze anos na facção bolchevique do Partido Social-Democrático Operário Russo. Detido em duas ocasiões, foi solto por falta de provas, mas em 1909-1910 passou onze meses na prisão. Entrou na Escola de Belas Artes, onde se encontrou com David Burliuk, que foi o grande incentivador de sua iniciação poética. Os dois amigos fizeram parte do grupo fundador do assim chamado cubo-futurismo russo, ao lado de Khlébnikov, Kamiênski e outros. Foram expulsos da Escola de Belas Artes. Procurando difundir suas concepções artísticas, realizaram viagens pela Rússia. Após a Revolução de Outubro, todo o grupo manifestou sua adesão ao novo regime. Durante a Guerra Civil, Maiakóvski se dedicou a desenhos e legendas para cartazes de propaganda e, no início da consolidação do novo Estado, exaltou campanhas sanitárias, fez publicidade de produtos diversos, etc. Fundou em 1923 a revista LEF (de Liévi Front, Frente de Esquerda), que reuniu a “esquerda das artes”, isto é, os escritores e artistas que pretendiam aliar a forma revolucionária a um conteúdo de renovação social. Fez inúmeras viagens pelo país, aparecendo diante de vastos auditórios para os quais lia os seus versos. Viajou também pela Europa Ocidental, México e Estados Unidos. Entrou freqüentemente em choque com os “burocratas’’ e com os que pretendiam reduzir a poesia a fórmulas simplistas. Foi homem de grandes paixões, arrebatado e lírico, épico e satírico ao mesmo tempo. Suicidou-se com um tiro em 1930. Sua obra, profundamente revolucionária na forma e nas idéias que defendeu, apresenta-se coerente, original, veemente, una. A linguagem que emprega é a do dia a dia, sem nenhuma consideração pela divisão em temas e vocábulos “poéticos” e “não-poéticos”, a par de uma constante elaboração, que vai desde a invenção vocabular até o inusitado arrojo das rimas. Ao mesmo tempo, o gosto pelo desmesurado, o hiperbólico, alia-se em sua poesia à dimensão crítico-satírica. Criou longos poemas e quadras e dísticos que se gravam na memória; ensaios sobre a arte poética e artigos curtos de jornal; peças de forte sentido social e rápidas cenas sobre assuntos do dia; roteiros de cinema arrojados e fantasiosos e breves filmes de propaganda. Tem exercido influência profunda em todo o desenvolvimento da poesia russa moderna. (Boris Schnaiderman in "Poesia Russa Moderna", Editora Brasiliense, 1985).

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Minha Boemia - Arthur Rimbaud

Minha Boemia - Arthur Rimbaud

Tradução: Claudio Daniel

Eu caminhava, as mãos soltas nos bolsos gastos;
O meu paletó não era bem o ideal;
Ia sob o céu, Musa! Teu amante leal;
Ah! E sonhava mil amores insensatos

Minha única calça tinha um largo furo.
Pequeno Polegar, eu tecia no percurso
Um rosário de rimas. A Grande Ursa,
O meu albergue, brilhava no céu escuro.

Sentado na sargeta, só, eu a ouvia
Nessa noite de setembro em que sentia
O odor das rosas, que vinho vigoroso!

Ali, entre inúmeros ombros fantásticos,
Rimava com a débil lira dos elásticos
De meus sapatos, e o coração doloroso!


Jean-Nicolas Arthur Rimbaud (20 de outubro de 1854, Charleville - 10 de novembro de 1891, Marselha) foi um poeta francês. Na maioria das vezes, a história de Rimbaud é apresentada como principal ponto de partida para a leitura de sua obra, o que torna quase impossível olhar-se a obra de Rimbaud com olhos livres.